JUVENTUS - Do Irã para a Mooca

Iranianos tentam a sorte na base

 do JUVENTUS da Mooca


Uma paixão: iranianos tentam a sorte no futebol brasileiroNo campinho surrado, meninos correm de um lado para o outro. Eles gritam – até discutem – e brincam atrás da bola. O gol é tudo que importa para eles naquele momento. É uma “pelada”, que poderia ser vista em qualquer lugar do Brasil, de uma praia do Rio de Janeiro ou no meio da floresta amazônica. Mas não esta.

A cena se passa em Teerã, capital do Irã. Assim foram os primeiros passos no futebol de Farbod Mahmudi e Mohammad Matin. Dois jovens que deixaram para trás suas famílias e amigos em busca de um sonho no então desconhecido Brasil: tornar-se um jogador profissional de futebol.

Os principais times de Teerã já não podiam lhes oferecer muito para que chegassem à seleção de seu país. O jeito então foi embarcar em um intercâmbio no que, para eles, era apenas a “Terra de Pelé”. Aos 17 anos, Farbod viajou mais de 12 mil quilômetros junto com seu compatriota Matin, dois anos mais novo. Os dois agora defendem as categorias de base do Juventus, tradicional equipe de São Paulo.

– O futebol no Irã é bom, mas o Brasil é muito diferente. É a primeira classe. Era meu sonho vir aqui para jogar bola. Eu vim sem conhecer nada. Só sabia que o Brasil tem muita cultura e muita praia – diz Farbod.

– Aqui tem Pelé, que é o pai do futebol – emenda Matin.

A aventura dos garotos iranianos começou em abril. Quase oito meses depois, a dupla se mostra entrosada com os outros jogadores do Juventus. Não fosse pela dificuldade para falar um português por vezes auxiliado pelo inglês, os dois poderiam se passar por brasileiros tranquilamente. Mas as lições aprendidas no “novo mundo” – tanto no campo quanto fora dele – não apagam os traços do Irã. E nem é a pretensão deles esquecer a cultura da pátria mãe.

Entre o time Melli e os lutadores

Assistir aos jogos da Liga Iraniana e ir a estádios acompanhados por seus pais eram atividades corriqueiras para Farbod e Matin. Assim como em muitos lares brasileiros, o futebol estava por toda parte nas casas dos dois garotos. Nos pôsteres, nas decorações das estantes, nas camisetas cuidadosamente guardadas no armário. A paixão por esse esporte, porém, é algo que transcende o âmbito familiar. É uma relação de amor espalhada por toda a nação iraniana, mas que, ao menos para Matin, não tem a mesma intensidade da “loucura” brasileira em torno do futebol.

– Não é como aqui. O Brasil ama muito o futebol, é a vida dos brasileiros. Alguns não conseguem jogar, mas todos amam futebol e falam sobre isso. Homens, mulheres, meninos e meninas conhecem os principais times, sabem quem são os jogadores. Lá eles também falam sobre futebol, mas não é a vida de todos – explica o garoto.

Ao contrário do Brasil, onde o futebol reina absoluto como esporte nacional, o Irã tem outros esportes populares. O país, erguido sobre os pilares de milênios de disputas territoriais que remetem ao Império Persa, tomou gosto pelos esportes de combate. O varzesh-e pahlavani (que significa o “desporto dos heróis”) é a luta tradicional do Irã, mas é a versão olímpica da luta (especialmente o estilo livre) que mais atrai os iranianos – as duas modalidades são bastante similares e se baseiam em técnicas de combate corpo a corpo. No Irã, não é como aqui. O Brasil ama muito o futebol, é a vida dos brasileiros" Matin

As arenas lotam para ver os lutadores tentarem derrubar os rivais. Farbod e Matin, porém, preferiram se juntar a outro grupo de apaixonados. A cada dia o futebol ganha novos amantes no Irã e já supera a luta em popularidade. A liga nacional, também conhecida como Copa do Golfo Pérsico, está em crescimento, mas é o time Melli, como é conhecida a seleção nacional, que movimenta o futebol nacional.

Chegar à seleção do Irã - o time Melli (que significa "time do povo") - é o sonho de Farbod e Matin. Eles ainda não tinham nascido quando sua seleção estreou em Copas do Mundo, na Argentina, em 1978. Os garotos eram muito novos para recordar a única vitória iraniana em mundiais, diante dos Estados Unidos, na França, em 1998 – os países têm longo histórico de conflitos políticos. O time Melli voltou à Copa na edição de 2006, na Alemanha, só que, pela terceira vez, não passou da primeira fase. Um reflexo da formação de jogadores nas categorias de base do país.

– É um país sem tradição no futebol. O Farbod e o Matin jogavam nos principais times de lá, mas eles eram praticamente amadores quando chegaram aqui. Eles têm capacidade, mas precisam ser trabalhados – diz Celso Spadotti, o Celinho, treinador do sub-20 do Juventus. Farbod nas categorias de base do Persépolis, de Teerã (Foto: Arquivo Pessoal)As categorias de base do Irã têm uma estrutura praticamente amadora (Foto: Arquivo Pessoal)

Os obstáculos na 'Terra de Pelé' Depois de anos nas categorias de base do Irã, Farbod e Matin tiveram em suas mãos o que eles consideram a oportunidade de suas vidas: jogar na “terra de Pelé”. A chance surgiu através do preparador físico dos garotos e do empresário iraniano Mohammad Karim Tabatabaei, que firmou um intercâmbio cultural e esportivo com o Juventus.

– Um dia meu pai falou: “Mês que vem nós vamos para o Brasil. Você vai jogar e morar lá. Você quer?” Disse que queria, claro. Minha mãe chorou, mas eu vim – lembra Farbod.

Assustados e com poucas noções táticas, os dois garotos enfrentaram diversas barreiras ao chegar ao Juventus. A primeira foi a comunicação, já que os dois têm como língua nativa o persa (também conhecido como farsi), bem diferente do português. Com o técnico, que já havia treinado japoneses e coreanos anteriormente, o jeito foi conversar e receber instruções em inglês. Com os companheiros de time, porém, o papo não fluía. Farbod e Matin no treino do Juventus (Foto: Marcos Guerra/Globoesporte.com)Farbod e Matin recebiam orientações em inglês e por gestos no início (Foto: Marcos Guerra)

– No começo era difícil. Eles são iranianos e falavam tudo enrolado. Conversávamos mais por gestos. Xingávamos eles (sic), e nem entendiam. Agora é o contrário (risos). Eles estão falando português melhor que nós – diz Jean Marcos, companheiro de Farbod no time sub-20 do Juventus.

– Agora eles não xingam. Eu respondo. Eles brincam comigo desde o primeiro dia. É legal. Houve desentendimentos. Às vezes eu falava inglês, o cara dizia que entendia, mas não entendia nada. Eu deixava para depois e continuava jogando – recorda Farbod.

Aos poucos e com muito esforço, os dois aprenderam português – ao menos a linguagem de boleiro. O necessário para se virar nas ruas Farbod e Matin já sabem, mas não raras vezes têm de recorrer ao inglês. Assim, eles conseguiram se comunicar para superar a segunda barreira no “novo mundo”: a carência técnica.

– Tivemos até de achar a posição deles, porque só queriam atacar. Eles não gostavam de fazer marcação, de voltar e ajudar, de fazer o cruzamento perfeito, não gostavam de trabalhar o físico. Vieram de escolinha, onde você joga bola lá e deixa os garotos à vontade. Então, eles não tinham uma dedicação tática, não sabiam a hora de cruzar, a hora de finalizar. Hoje eles já se posicionam e sabem fazer isso totalmente – conta Celinho.

O treinador conta que os garotos participavam pouco das jogadas nos primeiros meses, porque não entendiam em que posição precisavam estar. Hoje, Matin é atua na ponta esquerda do time sub-15, enquanto Farbod se encontrou no meio-campo do sub-20. Os dois ainda são reservas, mas a dedicação rendeu ao menos ao mais velho a inscrição no Boletim Informativo Diário da CBF. A princípio, os dois ficam no Brasil até março do ano que vem, mas esperam que a permanência seja estendida. Enquanto isso, eles enfrentam as barreiras das diferenças culturais, algo que eles tiram de letra.


 Farbod e Matin no treino do JuventusMatin e Farbo eram quase amadores e não tinham sequer posição O café da manhã não é mais servido com nam (espécie de pão iraniano) e mel. O kebab (espeto de carnes e legumes) e o berenj (arroz típico do Irã) também fazem falta, mas nem tanto quanto a família que ficou na terra natal. A saudade dos parentes é o que mais aflige os iranianos, especialmente Farbod, que mora com outros jogadores da base do Juventus – Matin ainda tem a companhia da mãe. Fora isso, eles adoram o Brasil e se dizem muito bem acolhidos.

– Quando vou aos shoppings ou ando nas ruas, as pessoas normalmente não reparam em mim, mas se elas ficam sabendo que eu sou estrangeiro, dão muita atenção. São pessoas muito amáveis – diz Matin.

Orgulho iraniano Sem conhecer muito a realidade do futebol iraniano, os companheiros de time pedem a Farbod e Matin para que os levem para seu país de origem. Os juventinos acreditam que o “eldorado árabe” se estende ao mundo persa, mas os garotos iranianos não têm essa ilusão. Para a dupla, o intercâmbio no Brasil é um trampolim para continuar suas carreiras longe de sua terra natal. Mesmo à distância, Farbod e Matin tentam se manter próximos à Teerã. O orgulho de ser iraniano é expresso em seu desejo maior: entrar para o time Melli. Meu futuro é para jogar em clube fora do meu país. Quero jogar na Europa ou na América do Sul, mas quero defender minha seleção" Farbod

– Eu acompanho todo dia a Liga Iraniana. Ligo para o meu pai e pergunto quanto e como foram os jogos, quem é o campeão, o artilheiro. Acho que esse período aqui pode me ajudar a chegar à seleção iraniana. Quando você treina aqui é muito diferente. Vou ter mais experiência e confiança para jogar. Meu futuro é para jogar em clube fora do meu país. Quero jogar na Europa ou na América do Sul, mas quero defender minha seleção – acredita Farbod.

O jovem iraniano ainda não sabe quanto tempo vai ficar no Brasil, mas espera estar no país entre junho e julho de 2014, já como um integrante do time Melli. Bem classificado nas eliminatórias asiáticas, o Irã está perto de assegurar a vaga para sua quarta Copa do Mundo.

– Acho que o Irã vai se classificar. Eu terei 19 anos e quero jogar a Copa do Mundo. Vou treinar para que eles me convoquem. Mas se eles não quiserem ainda, quem sabe na próxima (na Rússia, em 2018) – diz Farbod, ciente de que seu sonho, por mais distante que ainda esteja, pode um dia se tornar realidade com a ajuda dos ensinamentos na “Terra de Pelé”.Globo.com


Comentários

Orlando Roberto disse…
Interesante essa materia que vc fez Fabio, parabens mesmo, muito legal o que vc e seu primo fazem para a base.
Anônimo disse…
Eles estão hospedados na pensão do Betinho ?